Folkcomunicação Hoje
Thífani Postali e Andriolli Costa
Uma teoria da comunicação legitimamente brasileira, a Folkcomunicação tem sua origem nos anos 1960 a partir da obra seminal de Luiz Beltrão: o artigo “Ex-voto como veículo jornalístico”. Repórter e pesquisador pernambucano, Beltrão já havia se debruçado sobre as várias formas da comunicação do tempo presente em seu primeiro livro, "Iniciação à Filosofia do Jornalismo".
Posteriormente, inspirado pela dialética de Edison Carneiro e pela obra de McLuhan, formula sua proposta para estudar os grupos que “utilizam meios de folk para a expressão de suas informações, ideias e anseios, como os folhetos de cordel, as cantorias, os contos, as danças, os autos populares, a talha, a cerâmica” (2013, p. 512). Alijados dos processos tradicionais de produzir e circular informação, estes grupos encontram nas ferramentas da tradição e da expressão vernacular suas próprias maneiras de comunicar a atualidade.
Na contramão dos estudos dominantes de sua época, pautados por autores eurocêntricos e objetos consolidados, Beltrão convidava a olhar para fenômenos tão subalternizados pela academia quanto os grupos sociais onde tais práticas vicejam: as ofertas de romeiros, os desafios à viola, o trato artesanal. Um deslocamento de sentido que muito dialoga com o pensamento decolonial e as chamadas epistemologias do Sul.
Dinâmica, como os próprios objetos sobre a qual lança os olhos, a teoria da Folkcomunicação não se fixa às formas passadas. Pelo contrário; em tempos de infodemia e disputas de narrativas, compreender as dinâmicas e as estratégias de mediação, organização e resistência das classes populares frente aos velhos e novos desafios torna-se imperativo.
Na época, o autor se referia a estas comunidades como “grupos marginalizados”. Marginal, no entanto, logo tornou-se uma palavra imprecisa, sendo utilizada em pressupostos epistemológicos ligados à criminalização de grupos minoritários. Diante desta cizânia, retomamos a noção a partir de sua origem: Beltrão utilizava o termo fazendo referência ao “híbrido cultural” de Robert Park; o grupo social que atua no sentido contra-hegemônico à cultura dominante.
Esta compreensão nos permite iluminar o contemporâneo a partir da teoria, reconhecendo a força dos processos comunicativos das classes populares que, hoje, assumem também outras formas: o slam, o grafite, o rap, o meme; elementos que ocupam o mesmo espaço de contestação no seio da metrópole.
Outro braço emergente de investigações é, justamente, o processo contrário: a forma como objetos tradicionais encontram novas roupagens ao serem reavivados pelas mídias digitais. São benzimentos repassados pelo Tik Tok, mitos reescritos pelas Inteligências Artificiais, quadrilhas que incorporam novos passos a partir da lógica da viralização nas redes, grupos de whatsapp onde as intrigas da aldeia global são alimentadas e estimuladas pelas plataformas...
Atento à diagnose do presente, às dinâmicas de dominação do tecnopólio e aos dilemas da mediação algorítmica sobre as formas culturais, o pesquisador de Folkcomunicação se vê diante de uma miríade de possibilidades para análise e reflexão.
Vamos juntos?
Thífani Postali é doutora em Multimeios pela Unicamp, mestre em Comunicação e Cultura pela Uniso. Atualmente é professora titular no PPG em Comunicação e Cultura da Uniso e diretora-científica da Rede Folkcom.
Andriolli Costa é doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS, mestre em Jornalismo pela UFSC. Atualmente é professor adjunto da FCS/UERJ e presidente da Rede Folkcom.
Referências
BELTRÃO, L. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados. São Paulo: Cortez, 1980.
______. BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Bernardo do Campo: Umesp, 2004
______. O folclore como discurso. In: MELO, J. M.; FERNANDES, G. M. Metamorfose da Folkcomunicação. São Paulo: Editae, 2013. p. 511-515
COSTA, Andriolli. Folkcomunicação: Vínculos epistemológicos fundamentais entre Comunicação e Folclore. Revista Internacional de Folkcomunicação. v. 21, . 47, 2023. p. 170-191.
FERNANDES, G.; SANTANA, F.; WOITOWICZ, K. Folkcomunicação e resistência: elementos de uma práxis informacional
LUYTEN, J. Folkmídia, nova acepção da palavra. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25., 2002, Salvador. Anais... Salvador: Intercom, 2002.
POSTALI, Thífani. Blues e hip-hop: uma perspectiva folkcomunicacional. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
WOITOWICZ, Karina. Grupos marginalizados. In: GADINI, S. WOITOWICZ, K. (Orgs.) Noções Básicas de Folkcomunicação. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2007. p. 59-63.
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